domingo, 17 de fevereiro de 2013

O que é santificação? Qual é a definição da santificação cristã?

 Jesus tinha muito a dizer sobre santificação em João 17. No versículo 16, o Senhor diz: "Eles não são do mundo, como eu também não sou", e isso é antes de seu pedido: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade." Santificação é um estado de separação para Deus; todos os crentes entram neste estado quando são nascidos de Deus: "É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção" (1 Coríntios 1:30). Esta é uma separação que acontece de uma vez por todas, eternamente a Deus. É uma parte intrincada da nossa salvação, a nossa ligação com Cristo (Hebreus 10:10).

A santificação também se refere à experiência prática dessa separação para Deus, sendo o efeito da obediência à Palavra de Deus na vida de alguém e deve ser ardentemente buscada pelo crente (1 Pedro 1:15, Hebreus 12:14). Assim como o Senhor orou em João 17, a santificação tem em vista a separação dos crentes para a finalidade pela qual foram enviados ao mundo: "Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo. Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados pela verdade" (v. 18, 19). Que Ele se separou para o propósito pelo qual foi enviado é tanto a base quanto a condição do nós mesmos sermos separados para o motivo pelo qual fomos enviados (João 10:36). A santificação de Cristo é o padrão e o poder para a nossa. O envio e a santificação são inseparáveis. Por causa disso os crentes são chamados de santos, hagioi, no grego: "os santificados". Enquanto anteriormente o seu comportamento dava testemunho da sua posição no mundo em separação de Deus, agora o seu comportamento deve ser testemunho da sua posição diante de Deus em separação do mundo.

De acordo com as Escrituras, a palavra "santificação" tem mais um sentido. Paulo ora em 1 Tessalonicenses 5:23: "Que o próprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo o espírito, alma e corpo de vocês seja conservado irrepreensível na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo." Paulo também escreve em Colossenses da "esperança que lhes está reservada nos céus, a respeito da qual vocês ouviram por meio da palavra da verdade, o evangelho" (Colossenses 1:5). Logo depois, ele fala do próprio Cristo como "a esperança da glória" (Colossenses 1:27) e então menciona o fato dessa esperança quando diz: "Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória" (Colossenses 3:4). Este estado glorificado será a nossa separação definitiva do pecado, ou seja, alcançaremos a santificação total em todos os aspectos. "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é" (1 João 3:2).

Para resumir, a santificação é sinônimo de santidade, a palavra grega para ambas significa "uma separação", de primeira uma separação posicional de uma vez por todas a Cristo em nossa salvação; em segundo lugar, uma santidade prática progressiva na vida de um crente enquanto aguarda o retorno de Cristo e, finalmente, uma separação permanente do pecado quando chegarmos ao céu.         

 Mário César de Abreu

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Temores apostolicos


Talvez nenhum servo de Cristo tenha deixado semelhante marca para o bem do mundo como o Apóstolo Paulo. Quando nasceu, todo o império romano, com exceção de uma pequeníssima parte, estava submerso nas trevas do paganismo; quando morreu, o tremendo conglomerado pagão havia sido sacudido em seu núcleo e já estava a caminho da ruína. E nenhum dos instrumentos que Deus utilizou para produzir essa maravilhosa mudança fez mais do que Saulo de Tarso depois de sua conversão. No entanto, mesmo em meio a tanto sucesso e utilidade para Deus, podemos ouvi-lo clamar: "Receio!".

Tal clamor possui uma melancolia que exige a nossa atenção. Quem pensa que Paulo teve uma vida cômoda por ser um Apóstolo, por ter feito milagres, por ter fundado igrejas e por ter escrito epístolas inspiradas pelo Espírito Santo, tem muito o que aprender. Nada mais longe da verdade! O capítulo 11 de 2Coríntios conta uma história muito diferente. Esse capítulo merece um estudo cuidadoso. Em parte devido à oposição dos pagãos, filósofos e sacerdotes, cujo ofício estava em perigo, em parte devido à amarga inimizade de seus próprios compatriotas descrentes, em parte devido aos irmãos falsos ou fracos, em parte devido ao seu próprio aguilhão na carne, o grande Apóstolo dos gentios era como seu Senhor: "um homem de dores e experimentado no sofrimento" (cf. Is 53.3).

Mas de todos os fardos que Paulo teve de suportar, nenhum parece ter pesado tanto quanto a preocupação por todas as igrejas (2Co 11.28). O conhecimento precário de muitos cristãos primitivos, sua fé débil, sua inexperiência, sua esperança minguada, seu baixo nível de santidade, todas essas coisas os faziam particularmente suscetíveis de perder-se por causa dos falsos mestres, e assim afastar-se da fé. Como crianças pequenas, que com grande dificuldade começam a andar, necessitavam ser tratados com grande paciência. Como plantas exóticas numa estufa, deveriam ser tratados continuamente. Pode-se duvidar que eles mantinham o Apóstolo num estado de contínua ansiedade? Nos surpreende que ele diga aos colossenses: "Quero que vocês saibam quanto estou lutando por vocês, pelos que estão em Laodiceia e por todos os que ainda não me conhecem pessoalmente"; e aos gálatas: "Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho". "Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?" (Cl 2.1; Gl 1.6; 3.1). Nenhum leitor atento pode estudar as epístolas sem perceber que essa questão surge uma e outra vez. E o texto que encabeça este artigo é um exemplo do que quero dizer: "O que receio, e quero evitar, é que assim como a serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sua sincera e pura devoção a Cristo" (2Co 11.3). O texto contém três importantes lições, às quais desejo que meus leitores dirijam sua atenção. Creio que são lições válidas para todas as épocas.

I. Em primeiro lugar, o texto nos revela uma doença espiritual a qual todos somos suscetíveis e a qual devemos temer. Essa doença é o desvario da mente: "Receio... que a mente de vocês seja corrompida".

II. Em segundo lugar, o texto nos revela um exemplo que devemos sempre lembrar: "A serpente enganou Eva com astúcia".

III. Em terceiro lugar, o texto nos revela um ponto sobre o qual devemos manter vigilância. Esse ponto é o desvio de nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

O texto é uma mina de ouro profunda, e não encontra-se isento de dificuldades. Mas desçamos corajosamente a fim de encontrar nosso tesouro.

I. Primeiramente, pois, há uma doença espiritual que devemos temer: o desvario ou corrupção da mente.

Interpreto "corrupção da mente" como a lesão que nossa mente sofre ao admitir falsas doutrinas e ensinos antibíblicos em nossa religião. E creio que o Apóstolo queria dizer o seguinte: "Receio que seus sentidos absorvam ideias equivocadas e defeituosas a respeito do Cristianismo. Receio que vocês adotem como verdades alguns princípios que não são a Verdade. Receio que vocês se afastem da fé que foi entregue de uma vez por todas aos santos e que abracem ideias que praticamente destroem o Evangelho de Cristo".

O receio expressado pelo Apóstolo é dolorosamente instrutivo e à primeira vista pode até causar surpresa. Quem poderia imaginar que, mesmo sob o olhar dos próprios discípulos escolhidos por Cristo, quando o sangue vertido no Calvário mal havia secado, quando a era apostólica e a era dos milagres ainda não havia passado, já existiria o perigo de que os cristãos se afastassem de sua fé? No entanto, é certo que o "mistério da iniquidade" já havia começado a operar antes mesmo da morte dos Apóstolos (cf. 2Ts 2.7). "Já agora muitos anticristos têm surgido" (1Jo 2.18). E não há nenhum fato na história da Igreja que esteja mais demonstrado que este: que a falsa doutrina jamais deixou de ser uma praga na cristandade nos últimos dezoito séculos. Olhando para o futuro com olhos de profeta, Paulo disse: "Receio... não somente a corrupção de sua moralidade, mas também de seus sentidos".

A pura verdade é que a falsa doutrina tem sido o modo escolhido por Satanás para deter o avanço do progresso do Evangelho de Cristo em todas as épocas. Ao ver-se incapaz de evitar que a fonte da vida fosse aberta, ele tem trabalhado incansavelmente para poluir os mananciais que dela começam a fluir. Embora não tenha conseguido estancá-la, eventualmente tem sido bem-sucedido ao neutralizá-la por meio de adição, substração ou substituição. Em outras palavras, tem corrompido as mentes dos homens.

a) A falsa doutrina logo propagou-se pela igreja primitiva depois da morte dos Apóstolos, ainda que muitos gostem de falar de uma suposta pureza inicial da Igreja. Em parte devido ao estranho ensino a respeito da Trindade e da pessoa de Cristo, em parte devido a uma absurda multiplicação de ritos e cerimônias, em parte devido à introdução do monasticismo e de um ascetismo de origem humana, a luz da Igreja logo foi enfraquecendo e sua utilidade foi perdida. Mesmo nos tempos de Agostinho, como nos diz o prefácio do Livro de Oraçãoinglês: "O número de cerimônias cresceu de tal modo que o estado dos cristãos era pior do que o dos judeus nesse aspecto". Aqui estava a corrupção dos sentidos humanos.

b) Durante a Idade Média, a falsa doutrina havia se propagado de tal forma pela Igreja, que a Verdade de Cristo Jesus esteve a ponto de ser enterrada ou sufocada. Durante os três séculos anteriores à Reforma, é provável que somente uma minúscula parte dos cristãos teria conseguido responder à pergunta: "O que devo fazer para ser salvo?". Os papas e cardeais, os abades e priores, os arcebispos e bispos, os sacerdotes e diáconos, os monges e as freiras, salvo raríssimas exceções, estavam profundamente imersos na ignorância e na superstição. Estavam submersos num sono profundo, do qual foram parcialmente despertos pelo terremoto da Reforma. Neles estava a "corrupção dos sentidos humanos".

c) Desde os dias da Reforma a falsa doutrina tem voltado a surgir continuamente, uma e outra vez, estorvando a obra começada pelos reformadores. O modernismo em algumas regiões da Europa, o unitarismo em outras, o formalismo e a indiferença em outras, têm feito do protestantismo algo simplesmente estéril.

d) A falsa doutrina, mesmo na atualidade e diante de nossos próprios olhos, está devorando o coração da Igreja da Inglaterra e colocando em perigo sua existência. Uma escola eclesiástica não hesita em expressar seu desagrado diante dos princípios da Reforma e está buscando romanizar o sistema. Outra escola, com o mesmo ímpeto, fala com desdém da inspiração bíblica, graceja da própria ideia de uma religião sobrenatural e tenta tenazmente lançar fora os milagres como se fossem trastes inúteis. Outra escola proclama a liberdade de opinião religiosa em todas as suas variações e nos diz que todos os mestres merecem a nossa confiança sem importar quão heterodoxas e contraditórias sejam suas opiniões, desde que sejam inteligentes, fervorosos e sinceros. Para todas essas escolas é válida a mesma observação: são exemplo vivo da "corrupção da mente humana".

Diante de fatos como esses, faríamos bem em tomar seriamente as palavras do Apóstolo no texto que encabeça o presente artigo. Como ele, temos motivos de sobra para recear. Creio que os cristãos ingleses jamais precisaram estar tão em guarda quanto hoje. Jamais foi tão necessário que os ministros fiéis clamem em alta voz e não se calem. "Se a trombeta não emitir um som claro, quem se preparará para a batalha?" (1Co 14.8).

Peço a cada membro leal da Igreja da Inglaterra que abra seus olhos diante do perigo ao qual sua Igreja está exposta e tenha cuidado para que ela não seja danificada por causa da apatia e de um desejo insano de paz. A controvérsia é algo odioso; mas há tempos em que a mesma torna-se um dever imperioso. A Paz é algo excelente; mas, assim como o ouro, pode custar muito caro. A Unidade é uma grande bênção; mas não vale nada se é conquistada em troca da Verdade. Repito mais uma vez: abra seus olhos e mantenha-se em guarda.

A nação que se dá por satisfeita com sua prosperidade comercial e descuida suas defesas nacionais porque são complicadas ou caras, provavelmente se transformará em presa do primeiro Alarico, Átila ou Napoleão que decida atacá-la. A Igreja que seja "rica e próspera" pode pensar que "de nada tem necessidade" devido a sua antiguidade, sua ordem e suas qualidades. Pode clamar "paz, paz" e se convencer de que não verá mal nenhum. Mas, se não   conservar a sã doutrina entre seus ministros e membros, não deverá surpreender-se de que lhe retirem seu candelabro.

Desaprovo desde o fundo do meu coração a covardia ou o pessimismo diante desta crise. A única coisa que digo é: Exercitemos um temor piedoso. Não vejo a menor necessidade de abandonar um barco velho e dá-lo por perdido. Por ruins que pareçam as coisas dentro de nossa arca, certamente não são piores do que o dilúvio lá fora. Mas protesto, sim, contra esse espírito despreocupado de sonolência que parece selar os olhos de muitos clérigos e cegá-los diante do enorme perigo em que se encontram devido ao progresso das falsas doutrinas em nosso tempo. Protesto contra a ideia generalizada que tão frequentemente proclamam os homens de altos cargos de que a Unidade é mais importante do que a sã doutrina e que a Paz é mais valiosa do que a Verdade. E convoco todo leitor deste artigo que ame verdadeiramente a Igreja da Inglaterra e que reconheça os perigos desta época e leve a cabo seu dever de resistir energicamente a tais clérigos por meio da ação conjunta e da oração. Não é sem motivo que o Senhor diz: "Se [alguém] não tem espada, venda a sua capa e compre uma" (cf. Lc 22.36). Não esqueçamos as palavras de Paulo: "Estejam vigilantes, mantenham-se firmes na fé, sejam homens de coragem, sejam fortes" (1Co 16.13). Nossos nobres reformadores compraram a Verdade pagando com seu próprio sangue e a entregaram a nós. Não a venderemos por um prato de lentilhas em nome da Unidade e da Paz.

II. Em segundo lugar, o texto nos revela um exemplo que faremos bem em lembrar: "A serpente enganou Eva com astúcia".

Quase não é necessário lembrar aos leitores que Paulo, aqui, faz referência à história da Queda no capítulo 3 de Gênesis como um fato histórico. Não há aqui a menor indicação que propicie à crítica moderna a ideia de que o livro de Gênesis não passa de uma agradável coleção de mitos e fábulas. Não dá a entender que não existe um ser como o diabo, que não houve um fruto proibido e que não foi desse modo, literalmente, que o pecado entrou no mundo. Ao contrário, menciona a história de Gênesis 3 como um fato histórico que ocorreu realmente.

Devemos recordar, igualmente, que este não é um caso isolado. É fato que as várias histórias de milagres extraordinários do Pentateuco são mencionadas no Novo Testamento sempre como fatos históricos. Caim e Abel, a arca de Noé, a destruição de Sodoma e Gomorra, Esaú vendendo sua primogenitura, a morte dos primogênitos no Egito, a passagem pelo Mar Vermelho, a serpente de bronze, a água que fluiu da rocha, a jumenta de Balaão que falou - os autores do Novo Testamento mencionam todas essas coisas como algo real, não como fábulas. Não esqueçamos disso jamais. Aqueles que gostam de desprezar os milagres do Antigo Testamento e tirar a autoridade do Pentateuco fariam bem em considerar se têm mais conhecimento do que nosso Senhor Jesus Cristo e do que os Apóstolos. Quanto a mim, falar de Gênesis como um conjunto de mitos e fábulas diante de uma passagem das Escrituras como essa que temos diante de nós, parece soar como irracional e blasfemo. Paulo estava enganado quando mencionou a história da tentação e da Queda? Se estava, era uma pessoa crédula e tola, e talvez tenha se enganado em muitas outras coisas. Se assim fosse, desapareceria sua autoridade como escritor! Podemos descartar semelhante conclusão monstruosa. Mas é bom lembrar que muita incredulidade começa com um desprezo irreverente em relação ao Antigo Testamento.

De qualquer modo, o que o Apóstolo deseja que percebamos na história de Eva e da serpente é que a "astúcia" do diabo a levou a pecar. Ele não disse a ela, simplesmente, que queria causar-lhe dano. Ao contrário, disse a ela que aquilo que estava proibido era bom para comer, agradável aos olhos e desejável para obter sabedoria (veja Gn 3.6). Não teve escrúpulos ao afirmar que ela poderia comer o fruto proibido sem temer a morte. Cegou os olhos de Eva para a pecaminosidade e a transgressão. A persuadiu para afastar-se do claro mandamento de Deus e crer que isso lhe daria benefícios e não ruína. "Com sua astúcia enganou Eva". Bem, é justamente essa "astúcia" que Paulo nos diz que devemos temer na falsa doutrina. Não devemos esperar que as doutrinas falsas se aproximem de nós com aparência de engano, mas sim travestidas de verdade. A moeda falsa jamais entraria em circulação se não fosse semelhante à autêntica. O lobo raramente conseguiria entrar no aprisco se não se disfarçasse de ovelha. O papismo e a incredulidade não causariam muitos estragos se se apresentassem ao mundo com seus verdadeiros nomes. Satanás é um general inteligente demais para dirigir uma campanha dessa forma. Utiliza palavras elegantes e frases de efeito como "catolicidade", "apostolicidade", "unidade", "ordem na Igreja", "ideias corretas a respeito da Igreja", "pensamento livre", "interpretação liberal das Escrituras" e outras semelhantes, e desse modo toma posse das mentes dos incautos. É essa, precisamente, a "astúcia" à qual Paulo se refere no presente texto. Não devemos duvidar que ele havia lido as palavras do Senhor no Sermão do Monte: "Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores" (Mt 7.15).

Peço sua atenção especial com respeito a este ponto. Tal é a característica simplória e ingênua de muitos ministros da nossa época que de fato esperam que as doutrinas falsas pareçam falsas e não entendem que a própria essência da falsidade é sua semelhança com a verdade de Deus. Um jovem clérigo, por exemplo, que desde a sua infância foi educado para ouvir somente o ensino evangélico, recebe um dia o convite para ouvir um sermão pregado por algum eminente mestre de opiniões semicatólicas ou liberais. Em sua ingenuidade, vai à igreja esperando ouvir somente heresias do princípio ao fim. Para seu assombro, escuta um sermão inteligente e eloquente que contém uma grande dose de verdade e tão-somente umas poucas gotas, homeopáticas, de erro. Então surge uma violenta reação em sua mente ingênua. Começa a pensar que seus professores eram gente de mente estreita, intolerantes e duros, e sua confiança neles fica danificada, talvez para sempre. Com frequência, acaba pervertendo-se completamente e finalmente passa a fazer parte dos romanistas ou dos liberais! E por qual motivo? Por um tolo esquecimento da lição do Apóstolo Paulo neste texto: a serpente enganou Eva "com astúcia". Assim Satanás engana as almas incautas do nosso tempo, aproximando-se delas sob o disfarce da Verdade.

Rogo a cada leitor deste artigo que lembre-se disso e mantenha-se alerta. Os falsos mestres têm multidões de seguidores fanatizados que, incansavelmente, os elogiam a todos os que encontram pela frente, dizendo coisas como: "Ele é tão bom, tão amável, tão humilde, tão esforçado, tão abnegado, tão caridoso, tão fervoroso, tão inteligente, tão sincero, que não pode haver perigo nenhum em ouvi-lo. Além disso prega um evangelho agradável e genuíno! Ninguém prega melhor do que ele! Não posso acreditar - e nunca acreditarei - que trata-se de um enganador". Quem não escuta constantemente esse tipo de discurso? Ora, os falsos mestres não se apresentam como tais, mas como "anjos de luz", e são inteligentes demais para dizer tudo o que pensam e planejam fazer. Jamais foi tão necessário lembrar que "a serpente enganou Eva com astúcia".

Deixo esta parte do assunto com a triste sensação de que vivemos em tempos em que sentir receio em relação à sã doutrina não somente é um dever, mas uma virtude. Não é ao fariseu ou ao saduceu declarados que devemos temer, mas sim o fermento dos fariseus e dos saduceus. É a "reputação de sabedoria" que reveste o erro que o torna tão perigoso para muitos (veja Cl 2.23). Parece tão bom, tão justo, tão zeloso, santo e reverente, tão devoto e tão amável que arrasta muitas pessoas bem-intencionadas como uma tsunami. Quem quiser estar a salvo deve cultivar um espírito de sentinela. Não deve se importar se zombam de si, por considerá-lo alguém que "vê heresias em qualquer lugar". Em tempos como estes, não deve se envergonhar de desconfiar do perigo. E se há alguém que zombe dele por isso, bem pode responder: "A serpente enganou Eva com astúcia".

III. A terceira e última lição deste texto nos mostra uma questão a respeito da qual devemos estar particularmente precavidos. Essa questão é denominada "a sincera e pura devoção a Cristo".

Essa expressão é extraordinária e única no Novo Testamento. Há algo claro aqui: a sincera e pura devoção significa aquilo que é puro em contraste com o que foi misturado. Desenvolvendo essa ideia, alguns têm sustentado que a expressão significa "afetos exclusivos para Cristo", isto é, não devemos dividir o nosso afeto entre Cristo e mais alguém. Sem dúvida, é boa teologia, mas não estou convencido de que esse seja o verdadeiro sentido do texto. Prefiro a opinião de que ele refere-se a uma simples doutrina cristológica, sem adulterá-la nem alterá-la, a simples "verdade como é em Jesus", sem acréscimos, substrações nem substituições. Afastar-se do simples e genuíno preceito do Evangelho, seja deixando de lado alguma parte ou acrescentando alguma outra coisa, era o que Paulo queria que os coríntios temessem. A expressão está cheia de significado e parece escrita especialmente para o nosso ensino nestes últimos tempos. Nosso zelo deve ser grande e devemos estar sempre em guarda, para que não nos afastemos do simples Evangelho que Cristo entregou de uma vez por todas aos santos.

A expressão que temos diante de nós é tremendamente instrutiva. O princípio nela contido é de inefável importância. Se amamos nossas almas e queremos mantê-las saudáveis, devemos nos esforçar para jamais nos afastarmos da singela doutrina de Cristo. Uma vez que algo seja acrescentado ou tirado dela, transforma-se o remédio divino em veneno mortal. Que o princípio a guiá-lo seja: "Nenhuma outra doutrina salvo a doutrina de Cristo, nada mais e nada menos!". Aferre-se firmemente a esse princípio e não o solte. Escreva-o em seu coração e não se esqueça dele jamais.

1) Tenhamos claro, por exemplo, que não há um caminho para a Paz exceto o caminho traçado por Cristo. A verdadeira tranquilidade de consciência e a paz interior da alma não procedem jamais de alguma outra coisa que não seja a fé inequívoca em Cristo e em Sua obra completa. A paz por meio da confissão, do ascetismo, da frequência contínua aos cultos ou da participação constante da Ceia do Senhor é uma paz enganosa. As almas somente alcançam descanso quando dirigem-se diretamente a Jesus Cristo, cansadas e sobrecarregadas, descansando n'Ele por meio da fé, da confiança e da comunhão. Nesta questão devemos nos manter firmes na "sincera e pura devoção a Cristo".

2) Tenhamos claro, igualmente, que não há outro sacerdote que possa mediar de alguma maneira entre Deus e nós, além de Jesus Cristo. Ele mesmo disse, e Suas palavras não passarão: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim" (Jo 14.6). Nenhum filho pecador de Adão, sem importar como tenha sido ordenado nem qual seja seu título eclesiástico, pode ocupar o lugar de Cristo ou fazer o que somente Cristo foi chamado para fazer. O sacerdócio é um cargo específico de Cristo e jamais Ele o delegou a outrem. Também nesta questão, devemos nos manter firmes na "sincera e pura devoção a Cristo".

3) Tenhamos claro também que não existe sacrifício pelo pecado exceto o sacrifício único de Cristo na cruz. Não ouça nem por um momento aqueles que dizem que há algum tipo de sacrifício na Ceia do Senhor, alguma repetição da oferta de Cristo na cruz ou alguma oferta de Seu corpo e de Seu sangue sob a forma do pão e do vinho consagrados. O sacrifício pelos pecados que Jesus Cristo ofereceu foi único, perfeito e completo e não passa de uma blasfêmia o querer repeti-lo, "porque, por meio de um único sacrifício, Ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados" (Hb 10.14). Nesta questão, devemos nos manter firmes em nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

4) Tenhamos claro que não existe outra regra de fé nem outro juiz nas controvérsias doutrinárias que aquele ao qual Cristo sempre mencionou: a Palavra escrita de Deus. Não deixemos que nenhum homem perturbe nossas almas com expressões vagas como "a voz da Igreja, a Antiguidade primitiva, o julgamento dos primeiros Pais" e esse tipo de discurso grandiloquente. Que o nosso único padrão da Verdade seja a Bíblia, a Palavra escrita de Deus. O que diz a Escritura? O que está escrito na Lei? Como você lê? À Lei e ao testemunho! Estudem cuidadosamente as Escrituras! (veja Rm 4.3; Lc 10.26; Is 8.20; Jo 5.39). Nesta questão, devemos nos manter firmes na "sincera e pura devoção a Cristo".

5) Tenhamos claro que não há outros meios de graça na Igreja que tenham autoridade além dos meios conhecidos que Cristo e os Apóstolos nos deixaram. Consideremos com o maior zelo as cerimônias e rituais de origem humano quando se lhes outorga tão exagerada importância a ponto de as coisas de Deus ficarem relegadas a um segundo plano. As ideias humanas tendem invariavelmente a suplantar os decretos de Deus. Vigiemos para que a Palavra de Deus não seja substituída por vãs invenções humanas. Nesta questão, devemos nos manter firmes em nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

6) Tenhamos claro que não pode ser verdadeiro nenhum ensino a respeito dos sacramentos que atribua aos mesmos um poder que Cristo não menciona. Tenhamos cuidado para não admitir que o batismo e a Ceia do Senhor possam conferir graça ex opere operato, isto é, por meio da mera ministração externa, independentemente do estado do coração daqueles que os recebem. Precisamos lembrar que a única prova de que as pessoas batizadas e os comungantes têm a graça de Deus é a demonstração dessa graça em suas vidas. O fruto do Espírito é a única prova de que nascemos do Espírito e estamos unidos a Cristo, e não a mera recepção dos sacramentos. Nesta questão, devemos nos manter firmes em nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

7) Tenhamos claro também que nenhum ensino a respeito do Espírito Santo é correto a menos que concorde com o ensino de Jesus Cristo. Não devemos ouvir aqueles que asseveram que o Espírito Santo habita realmente em todas as pessoas batizadas, sem exceção, em virtude unicamente de seu batismo, e que a única coisa que deve ser feita é "fomentar" a graça nessas pessoas. O ensino simples e direto de nosso Senhor é que o Espírito Santo habita unicamente naqueles que são Seus discípulos fiéis e que o mundo não conhece, não vê, nem pode receber o Espírito Santo (cf. Jo 14.17). Sua presença interior é um privilégio dos cristãos, e somente deles. Nesta questão, devemos manter firmes a nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

8) Por último, tenhamos claro que nenhuma doutrina pode ser sã se não apresentar a Verdade de forma equilibrada, como fizeram Cristo e os Apóstolos. Evitemos qualquer ensino que enfatize exageradamente a exaltação à Igreja, ao ministério ou aos sacramentos, enquanto grandes verdades como o arrependimento, a fé, a conversão e a santificação são colocadas em lugares inferiores e subordinadas a ritualismos estéreis. Compare tal doutrina com aquela dos Evangelhos, de Atos dos Apóstolos e das Epístolas. Analise os textos, faça seus cálculos. Perceba quão pouco é dito no Novo Testamento a respeito da Igreja, do batismo, da Ceia do Senhor e do ministério, e então julgue você mesmo quais são as proporções na Verdade. Também nesta questão, repito mais uma vez, devemos nos manter firmes em nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

A simples e pura doutrina de Cristo é, pois - sem acréscimos, subtrações ou substituições - a meta à qual devemos almejar. Esse é o ponto do qual devemos evitar qualquer desvio. Podemos melhorar a doutrina de Cristo? Somos mais sábios do que Ele? Podemos crer que Ele deixou de lado alguma coisa importante e que a mesma foi trazida à tona pelas tradições humanas? Arrogamos a nós mesmos o direito de mudar ou corrigir algum decreto de Cristo? Temos consciência de que não devemos declarar como necessária para a salvação coisa alguma que Cristo não tenha ensinado? Precisamos nos precaver de tudo o que possa nos desviar de nossa "sincera e pura devoção a Cristo".

A pura verdade é que nunca será excessivo exaltar o Senhor Jesus Cristo como o Cabeça da Igreja e Soberano sobre todas as coisas, Senhor dos decretos e Salvador dos pecadores. Creio que todos falhamos aqui. Não compreendemos que Rei tão excelso, grande e glorioso é o Filho de Deus e quanta lealdade - lealdade absoluta - devemos a Aquele que não delegou nenhum de Seus ofícios nem deu Sua glória a nenhum outro. Vale a pena lembrar as solenes palavras que John Owen dirigiu à Casa dos Comuns num sermão sobre a grandeza de Cristo. Receio que a Casa dos Comuns ouça poucos sermões como esse na atualidade:

"Cristo é o caminho: os homens sem Cristo são como Caim, errantes pelo mundo. Cristo é a Verdade: sem Ele, os homens são enganadores tal como o diabo, desde a antiguidade. Cristo é a vida: sem Ele, os homens estão mortos em delitos e pecados. Cristo é a luz: sem Ele, os homens estão em trevas e não sabem para onde vão. Cristo é a videira: os homens que não estão em Cristo são ramos cortados e preparados para o fogo. Cristo é a rocha: os homens que não estão construídos sobre Ele serão arrastados pelas torrentes. Cristo é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o Autor e o Consumador, Aquele que começa e Aquele que conclui a nossa salvação. Quem não tem a Cristo, não possui o princípio do bem, e sua infelicidade não terá fim. Oh, bendito Jesus, seria melhor não existir do que existir sem Ti! Melhor não nascer do que morrer sem Ti! Mil infernos não são piores do que a eternidade sem Ti!"

E agora concluirei este artigo oferecendo alguns conselhos a meus leitores. Não os ofereço como alguém que tem um pouco de autoridade, mas como alguém que deseja afetuosamente fazer o bem a meus irmãos. Os ofereço como conselhos que considero úteis para a minha própria alma e que, por isso, aventuro-me a pensar que podem ser úteis para todos.

1) Em primeiro lugar, se desejamos evitar cair na falsa doutrina, precisamos equipar nossas mentes com um profundo conhecimento da Palavra de Deus. Devemos ler nossas Bíblias do princípio ao fim diariamente e com diligência, esforçando-nos para nos familiarizar com seu conteúdo, em constante oração, pedindo ao Espírito Santo que nos ensine. O desconhecimento da Bíblia é a raiz de todos os erros, e um conhecimento superficial da mesma explica muitas das tristes perversões e deserções da atualidade. Numa época de pressa e correria, de estradas de ferro e telégrafos, estou firmemente persuadido de que muitos cristãos não dedicam tempo suficiente à leitura diária das Escrituras. Estou certo de que há 200 anos atrás os ingleses conheciam melhor a Bíblia do que hoje. A consequência é que muitos são como crianças, levados daqui para lá por qualquer vento de doutrina, presas fáceis de qualquer mestre inteligente do engano. Rogo a meus leitores que lembrem este conselho e atentem para o rumo de suas vidas. É certíssimo que somente o bom estudante do texto bíblico será um bom teólogo e que a familiaridade com os textos essenciais da Bíblia é, como nosso Senhor demonstrou na tentação, a melhor das salvaguardas contra o erro. Procure equipar-se, portanto, com a espada do Espírito e treine suas mãos para utilizá-la. Sou muito consciente de que não existe um caminho fácil para o conhecimento da Bíblia. Sem diligência e esforço ninguém chega a ser "poderoso nas Escrituras". "A justificação" - disse Charles Simeon - "é pela fé, mas o conhecimento da Bíblia vem pelas obras". Mas de uma coisa estou certo: não há trabalho que seja melhor recompensado do que um estudo diário e esforçado da Palavra de Deus.

2) Em segundo lugar, se desejamos manter um caminho reto como ministros do Evangelho nos tempos em que vivemos, conheçamos profundamente os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra. Esses artigos são a confissão autorizada de nossa igreja, e a verdadeira prova que todo aspirante a clérigo deveria submeter-se. Como a Confissão de Fé de Westminster, nossos Trinta e Nove Artigos são uma barreira eficiente contra a tendência atual de voltar ao catolicismo romano.

3) O terceiro e último conselho que desejo oferecer é o seguinte: precisamos nos familiarizar profundamente com a História da Reforma. Nossa história tem sido injustamente esquecida e milhares de ministros do Evangelho têm, hoje, uma noção muito pobre de tudo quanto devemos aos reformadores. Muitos pagaram com o martírio para que hoje possamos ser uma igreja livre. É preciso ter um conceito claro sobre a situação de trevas e superstição na qual viviam nossos antepassados e sobre a luz e a liberdade que foram introduzidas pela Reforma. Devido ao desconhecimento da História, sofremos hoje com movimentos favoráveis ao catolicismo romano e ideias ingênuas e pueris sobre a verdadeira natureza do papado. É hora de mudar as coisas. A origem de grande parte da apatia atual com respeito à romanização da Igreja pode ser encontrada na mais crassa ignorância tanto sobre a verdadeira natureza do papismo quanto sobre a História da Reforma Protestante. 

" j.c  ryle"

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013






A suprema malignidade no discurso de Silas Malafaia



Danilo Fernandes



Nas Sagradas Escrituras, nos deparamos com a suprema malignidade ao menos duas vezes. Na primeira vez, o mal apresenta a sua rebeldia ao primeiro Adão e, este, carrega a sua família para a queda:

E ao homem declarou: "Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual ordenei a você que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida. Gênesis 3:17

A rebeldia do homem fez a terra maldita.

Na segunda vez, o último Adão, o Cristo, vai ao deserto confrontar a malignidade e sofrer na sua humanidade a suprema tentação, uma prova que, se perdida, invalidaria o sacrifício da Trindade, que se colocou no ambiente de sofrimento, para onde foi a criação, como parte do projeto de redenção. Em outras palavras: a consumação da condiçãosine qua non a permitir a nossa existência. O Haja Cruz!, que antecedeu o Haja luz!.

Depois deste encontro com a suprema malignidade,

Jesus foi vencer na cruz, a mesma cruz onde morremos e vencemos com Ele.


--------

Ontem, na entrevista de Silas Malafaia concedida à Marília Gabriela, muitos foram confrontados com a visão da suprema malignidade.  Um momento que parece ter passado despercebido a tantos crentes zelosos, naquele instante,  inebriados pelo prazer de ver um evangélico meter o dedo no pecado alheio em rede nacional.

Lá pelas tantas, questionado sobre a teologia da prosperidade e sobre a prosperidade na Bíblia, Malafaia acrescenta ao seu discurso esquizofrênico uma nova hermenêutica na leitura de um dos versos mais caros aos crentes. Falando de prosperidade material e, após afirmar que o nosso Deus é um Deus de recompensas (?), apresenta os versículos de Filipenses 3:13-14, insinuando que o ALVO é a prosperidade material.

Ali estava a malignidade. Meus ouvidos se fecharam. Meus olhos se cerraram e em me prostrei de joelhos em agradecimento, pois a mim o Senhor permitiu ouvir e enxergar.



---------

Vocês já leram esta passagem de Filipenses?

Neste trecho de sua carta à igreja de Filipos, São Paulo, nos poupa da obviedade do relato das suas parcas riquezas materiais e apresenta à igreja o inventário do seu tesouro (até conhecer a Cristo, claro): A sua estirpe de varão hebreu aprovado. Judeu descendente da tribo de Benjamim, circuncidado no oitavo dia, herdeiro da herança de Abraão, do povo escolhido,  zeloso da doutrina recebida por seus pais, até por isto, antes perseguidor da igreja. Quanto à lei, um doutor, o mais perfeito dos fariseus. Discípulo do grande mestre do seu tempo! Desenrolado o diploma de sua procedência e virtudes, Paulo, em seguida, afirma que tudo isto e muito mais que tivesse ou fosse é MERDA diante da grandeza de conhecer a Cristo e que, não tendo a sua própria justiça, amparada na lei, quer participar dos sofrimentos de Cristo e tornar-se como ele na sua morte a fim de, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos.

Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo Filipenses 3:8

Ou seja, riquezas, propriedades, títulos, genealogia, herança de povo escolhido... Tudo esterco!

E mais! Tendo o apóstolo a consciência de que está longe do que precisa ser (Logo ele, Paulo!), que não passa de esterco ungido, esquece do que ficou para trás e avança para o alvo a fim de participar do prêmio da reconciliação com a Trindade, o tesouro maior no fim do caminho que a Cruz percorreu desde a criação.

irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus. Filipenses 3:13-14

Sim! O grande prêmio! Pago com sangue precioso e santo  na  consumação do Haja Cruz!  O despojo da luta travada e vencida contra o mal. Nossa salvação! A vitória contra a morte! O início da verdadeira vida em comunhão com O Pai, O Filho, O Espírito Santo e toda a criação.



-------


Defendendo a sua maligna teologia da prosperidade, Silas Malafaia tem o desplante de afirmar,  em rede nacional,  que o apóstolo Paulo está a falar de prosperidade material nestes versos. Malafaia reduz a nossa Fé a um conto do vigário celestial! O crente deixaria o que está para atrás e, nova criatura, partiria para o alvo da prosperidade, apostando toda a sua existência a fim concorrer a um prêmio oferecido por um “deus “de recompensas"?!

Como assim, meus irmãos? Não há mais limite para a apostasia? Não se enxerga mais nada? Estão todos discutindo filigranas de moral e bons costumes e um ataque ao centro da nossa Fé passa em branco? Vergonha! Acordem! Se isto não é suprema heresia, não sei mais o que é.

Nada mais há para ser dito.


Meditem em 2 Tessalonicenses 2:3-12:


Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição,O qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco?E agora vós sabeis o que o detém, para que a seu próprio tempo seja manifestado.Porque já o mistério da injustiça opera; somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado;E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda;A esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e prodígios de mentira,E com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem.E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira;Para que sejam julgados todos os que não creram a verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade.

Fonte: Genizah

Acabei de assistir no SBT a entrevista dada por Silas Malafaia a Marilia Gabriela. 

Posso não concordar com o Silas em muita coisa, aliás, discordo dele veementemente quanto a sua teologia, principalmente quando prega sobre prosperidade e confissão positiva. Na verdade, considero herético o seu ensino sobre prosperidade, todavia, algumas de suas posturas considero bíblicas, ainda que discorde da forma com que fala. 

Na minha opinião no primeiro bloco da entrevista Malafaia se enrolou e não conseguiu convencer aos telespectadores sobre a funesta teologia da prosperidade. Quando questionado sobre seu patrimônio Silas apresentou a jornalista documentos contestando a reportagem da Forbes, o que foi rebatido por Gabi. O que me chama a atenção é que a Forbes alega ter recebido essas informações do poder público brasileiro. Ora, vamos combinar uma coisa? Se isso de fato aconteceu um crime foi cometido, não por Malafaia e sim pelo Estado que sem um mandado judicial forneceu as informações publicadas pela imprensa. Acho que Silas está certo em exigir explicações.

Ao tratar de assuntos relacionados a sexualidade Silas demonstrou  firmeza  e coerência bíblica. Na minha perspectiva Marilia ao tratar da homossexualidade foi intransigente e grossa com o seu entrevistado demonstrando assim vivenciar a mesma intolerância que tanto combate. Na verdade, em um determinado momento da entrevista ela chegou a alterar o seu tom de voz tentando impor sobre  Malafaia suas crenças e percepções. 

A entrevistadora do SBT também foi tendenciosa ao insinuar que o ministério pastoral pode ser uma profissão lucrativa. Ora, a esmagadora maioria dos pastores ganha muito pouco. Ouso afirmar que mais do que 90% dos pastores ganham muito mal. Sei de muitos pastores que lutam com sacrifício e que para sustentar a família cortam um dobrado. Afirmar que todos os pastores roubam e são ricos é uma enorme maldade.

Silas também defendeu o casamento, combateu o divórcio e acentuou o valor da familia, todavia, na minha opinião ele perdeu uma grande aportunidade para anunciar Cristo de uma forma mais tangível aos milhares de telespectadores espalhados por esse Brasil.           Renato vargens

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Jonathan Edwards e a mentira do amor pos-moderno

Edwards pregou um sermão famoso chamado “Pecadores nas mãos de um Deus irado”. Mas também pregou outro sermão famoso chamado “O Céu é um mundo de Amor. “

Céu e inferno! – Jonathan Edwards foi uma pessoa rara (Um pregador mais raro ainda) – Pregou profundamente sobre o terror do inferno e sobre a extraordinária beleza e encanto do céu.

Ele entendeu que não temos um Deus de desenho animado. Não é o Deus piegas de um “amor” que pode compreender e fingir não ver o pecado. O Deus da Bíblia é um Deus de justiça inabalável e infinita misericórdia. E essas duas coisas nunca se divorciam e nem entram em conflito.

E quando ele fala sobre o amor do Céu, esse amor nasce a partir dos elementos mais fundamentais da teologia cristã. Quando alguns pregadores contemporâneos tentar exultar no amor de Deus, o que é dito soa muito mais como um hino ao amor que a Deus. Pois o amor é reduzido ao sentimento, a simpatia e versões pós-modernas da psicologia humanista de aceitação e afirmação.

Mas o amor que Jonathan Edwards exalta é rico em reflexão teológica sobre a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a expiação substitutiva, Cristo como Mediador, a importância da igreja e a imutabilidade de Deus.

Imitações baratas do “amor” inventado no coração adâmico nunca sondam as profundezas do amor de Deus revelado em Cristo, mas apenas seguem e tomam a ideia de “amor” do espólio do mundo ( que é o amor que muitos cristãos tomaram como se de Deus fosse – um “amor social”, jamais moral ) que pode e tinha toda a aceitação, por estar desprovido das verdades profundas do Deus eterno, pelos Dalai Lamas, Ghandis… com concordância plena, pois está centrado no homem e não na glória do Deus eterno e único – é um “amor” adequado a todas as “religiões” humanas, uma “amor” pós-moderno que nada mais é que aceitação, afirmação…

Jonathan Edwards conta uma história diferente, nos lembrando que o Céu é um mundo (de amor) forjado pela Trindade Santa, marcado e comprado na cruz sangrenta, apaziguador da Justa Ira de um Deus santo que não pode sequer contemplar o pecado, centrado totalmente na Pessoa e Glória de Cristo, focado na igreja, transbordante e inesgotável.

Um amor que nasce em Deus e apenas em Deus se satisfaz – Como diz Jonathan Edwards:

“Deus é o melhor que o ser humano pode desejar, e desfrutar dele é a única felicidade com a qual as nossas almas podem se satisfazer. Ir para o céu, desfrutar plenamente de Deus, é infinitamente melhor do que as melhores acomodações que possam existir nesta terra. Pais e mães, maridos, esposas, filhos ou companhia de amigos na terra, são apenas sombras. Aqueles são apenas feixes de luz, Deus é o sol, sim, é o essencial. Aqueles são apenas raios; Deus é a fonte. Eles são apenas gotas, Deus é o oceano. Por que deveríamos nos esforçar ou prender nossos corações em qualquer outra coisa que não seja o nosso próprio destino, a nossa verdadeira felicidade?”

O amor almejado não se parece nem um pouco com a definição de “amor” de um coração caído: “Aceitação, afirmação…” – é centrado em Deus de uma forma que o homem natural sequer pode compreender em sua morte espiritual.

“E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja.” – João 17:26

No “O céu é um mundo de amor”, o sermão está cheio de um amor que só faz sentido no mundo do pensamento moldado por todo o conselho de Deus.

Fonte: Blog Jonathan Edward. Púlpito Cristão.
***

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Libertação para os tolos

Tolos. Se você conhece algum, vai entender perfeitamente a razão pela qual considero a persuasão lógica e racional uma péssima estratégia no diálogo com eles. O motivo é bem simples: o tolo é, por natureza, prisioneiro de si mesmo — tão prisioneiro que a sua voz é a única coisa que ele consegue escutar enquanto o outro fala. Por isso, não perca o seu tempo tentando explicar para um tolo o que você está dizendo. Não adianta. A capacidade de ouvir, esforçando-se para entender o outro, não é um hábito cultivado por ele. Salomão tinha razão quando disse que “o tolo não tem prazer no entendimento, mas sim em expor os seus pensamentos” (Pv 18.2).

O que mais me espanta é constatar que tamanha insensibilidade não é resultado de um distúrbio no aparelho auditivo (antes fosse!), mas sim de um fascínio exagerado que o tolo tem por si mesmo. Quem dera esse fascínio fosse uma resposta positiva ao célebre imperativo do “conhece-te a ti mesmo!" Infelizmente não é esse o caso. Tal fascínio não passa de egolatria. Assim como Narciso, o tolo não busca entendimento, mas autoabsorção, ou seja, ele não quer entender, quer, na verdade, admirar a si mesmo. Por isso, não vale a pena esperar do tolo a autocrítica. Ele é demasiado narcisista. Não está acostumado a refletir seriamente sobre suas ideias.

O tolo não se interessa pelo entendimento, pois sabe que essa tarefa exige certa desconfiança de si mesmo. A autodesconfiança é um ato de humildade. É acima de tudo a capacidade de pensar sobre nós mesmos, sobre nossas próprias ideias, confrontando-as e suspeitando de que elas não são tão nossas como parecem ser. Falta ao tolo justamente esse gesto de humildade, pois carece do entendimento de que suas ideias não são tão originais como aparentam ser.

Entretanto, falta ao tolo não apenas o entendimento daqueles que desconfiam de si mesmos, mas também o rigor daqueles que corrigem suas opiniões principalmente quando elas não condizem com a verdade. A propósito, a falta de entendimento e de rigor autocrítico são os dois sinais mais visíveis de que a condição do tolo não poderia ser outra senão a de um aprisionamento. Afinal, quem não é capaz de ponderar, de inquirir a si mesmo e de corrigir seus equívocos jamais será livre o suficiente para enxergar o mundo à sua volta. Mas, antes de falarmos mais detidamente a respeito do aprisionamento do tolo, é necessário desfazer o equívoco que poderia induzir alguém a confundir tolice com limitação intelectual.

Tolice e limitação intelectual

Antes de mais nada, é bom esclarecer que não estou chamando de tolo aquele que não tem estudo nem formação intelectual, mesmo porque não acredito que os intelectuais sejam imunes a tolices e nem tampouco que os poucos instruídos não possam ser sábios. Aqueles que conseguem alcançar o cume da inteligência também podem atingir o cúmulo da tolice. Por exemplo, existem pessoas que são dotadas de uma inteligência arguta, que sacam bem as coisas, com rapidez e sagacidade impressionantes, mas mesmo assim são tolas. Um caso concreto é o do filósofo alemão Martin Heidegger, que, apesar de possuir uma incontestável habilidade lógica e filosófica, ingressou no Partido Nacional Socialista e defendeu com veemência as ideias divulgadas pela propaganda nazista.

Em contrapartida, existem pessoas que são muito lentas quando pensam, mas são tudo menos tolas. Lutero, por exemplo, vivia reclamando pelos cantos da Universidade de Erfurt, na Alemanha, de que ele jamais poderia ser um teólogo de verdade porque se considerava lento demais para a filosofia e para o raciocínio lógico; e, diga-se de passagem, muitos seguidores de Philipp Melanchthon concordariam com Lutero. Mas foi esse teólogo pouco afeito à lógica e à filosofia o responsável por uma das mais importantes transformações ocorridas na igreja no alvorecer do século XVI. Tolice, portanto, não é sinônimo de limitação intelectual.

No entanto, não é suficiente desfazer o equívoco que leva alguém a confundir tolice com limitação intelectual. É preciso ir mais longe e dizer que a tolice não representa a fraqueza de alguns. Pelo contrário, ela é universal, é uma fraqueza inerente a todos os seres humanos. Todos os homens são, por natureza, tolos. A questão, portanto, não é saber como um homem se torna tolo, mas sim como pode deixar de sê-lo.

Na ocasião em que foi preso pelos agentes da Gestapo, o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer escreveu inúmeras cartas, as famosas “cartas da prisão”. Numa delas, ele disse que “somente um ato de libertação poderia vencer a tolice; um ato de instrução ou argumentação lógica nada pode fazer para convencer o tolo de sua tolice. Antes de tudo, o tolo precisa de uma libertação interior autêntica, e enquanto isso não ocorre temos de desistir de todas as tentativas de persuadi-lo”1.  Por isso, insistimos que não adianta discutir com o tolo. Enquanto ele não for liberto de si mesmo, qualquer palavra que for dirigida contra a sua tolice será como uma pérola lançada aos porcos.

O tolo e as sombras da caverna
A ideia de que, para alcançar o entendimento, é necessária uma “libertação interior autêntica” é bem antiga e pode ser, de certa forma, encontrada no livro VII da República. Nele, Platão descreve Sócrates dizendo para o jovem Glauco que, para as pessoas alcançarem o entendimento, elas precisam ser primeiramente libertas. Para explicar melhor essa ideia, o filósofo contou um mito sobre seres humanos que, desde o seu nascimento, estão aprisionados em uma caverna subterrânea. Eles não sabem o que é o mundo fora da caverna. Suas pernas e seu pescoço estão algemados de tal sorte que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas na direção de uma parede ao fundo.

Atrás deles, na entrada da caverna, há um foco de luz que ilumina todo o ambiente. Entre esse foco de luz e os prisioneiros, há uma subida ao longo da qual foi erguida uma mureta. E para além dessa mureta, encontram-se homens que transportam estátuas que ultrapassam a altura da mureta. Eles carregam estátuas de todos os tipos: de seres humanos, de animais e de toda sorte de objetos. Por causa do foco de luz e da posição que ele ocupava, os prisioneiros são capazes de enxergar, na parede ao fundo, as sombras dessas estátuas, mas sem conseguirem ver as próprias estátuas, nem os homens que as carregam. Como nunca viram outra coisa além das sombras, os prisioneiros pensam que elas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que as sombras não passam de projeções das coisas, nem podem saber que as coisas projetadas são apenas estátuas carregadas por outros seres humanos.

O que aconteceria, pergunta Sócrates a Glauco, se alguém libertasse os prisioneiros? O que faria um prisioneiro se fosse liberto de suas algemas? Sem dúvida, olharia toda a caverna. Ao seu redor, veria os outros prisioneiros, a mureta às suas costas, as estátuas e a entrada da caverna. Seu corpo doeria a cada passo dado. Afinal de contas, ele ficou imóvel durante muitos anos. Não bastassem as dores do corpo, ao se dirigir à entrada da caverna ficaria momentaneamente cego, pois aquele foco de luz que clareava a caverna, na verdade, era o sol com todo o seu fulgor. Contudo, com o passar do tempo, já acostumado com a claridade, seria capaz de ver não só as estátuas, mas também os homens que as carregavam. Prosseguindo em seu caminho, passaria a enxergar as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não contemplara nada, a não ser as sombras das estátuas projetadas no fundo da caverna.

Na condição de conhecedor desse “novo” mundo, o prisioneiro liberto regressaria ao velho mundo subterrâneo. Ao chegar, ele contaria aos outros prisioneiros o que viu. Sua missão seria libertá-los, pois é somente na condição de homem livre que alguém pode ser capaz de contemplar o mundo das coisas tais como elas são. O que mais poderia acontecer após esse retorno? Uma estranha reação. Ao voltar e contar o que viu, os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras, pois, para eles, o único mundo admissível é o mundo no fundo da caverna. No entanto, se o escravo liberto teimasse em afirmar o que viu e insistisse em convidá-los a sair da caverna, os prisioneiros das sombras o matariam. E foi assim que Sócrates concluiu o famoso “mito da caverna”.

Tolos são como os prisioneiros que tomam as sombras como se fossem as coisas mesmas. Veja bem, o problema não está nas sombras. Aparentemente não há nada de errado com elas. O problema está no prisioneiro que não consegue perceber que as sombras são apenas uma espécie de vestígio de algo que está muito além delas. Assim como os prisioneiros no fundo da caverna, o tolo não consegue perceber que ele e suas ideias ultrapassam a si mesmos.

Já aquele que deixou de ser tolo é como o prisioneiro que não mais se satisfaz com as sombras projetadas no fundo da caverna, mas que, impulsionado pela curiosidade e pelo desejo de contemplar as coisas mesmas, se dirige para o outro lado, o lado da origem de tudo o que acontece no fundo da caverna. Entretanto, isso só é possível se o tolo for liberto de sua tolice. Nesse aspecto, tanto o platonismo como o cristianismo são bastante parecidos. Ambos reconhecem que o conhecimento da verdade, que salva o homem da tolice, pressupõe libertação. Ou melhor, uma dupla libertação, pois uma coisa é a libertação para conhecer e outra bem diferente é o conhecimento que liberta.

Dupla libertação e inteligência humilhada
Pois bem, o tolo precisa de uma dupla libertação: a libertação que é resultado do próprio conhecimento da verdade e a libertação que é fruto do irrompimento de um poder que liberta o tolo para conhecer a verdade. Por exemplo, alguém que tenha uma venda nos olhos só poderá enxergar o que está acontecendo à sua volta se ela for primeiro retirada. Nesse caso, o ato de enxergar pressupõe o ato de remover a venda. De forma semelhante, a libertação pelo conhecimento pressupõe a libertação para o conhecimento.

A libertação pelo conhecimento é semelhante ao ato de enxergar; já a libertação para o conhecimento é semelhante ao ato de remover a venda. Assim como para enxergar é necessário que primeiro seja removida a venda, também é necessária a libertação para o conhecimento a fim de que haja libertação peloconhecimento. Ora, quem ou o que é responsável pela libertação para o conhecimento? Que poder é esse que liberta o coração do tolo para o conhecimento da verdade? É exatamente na resposta a essas indagações que o platonismo e o cristianismo se distanciam, permanecendo ambos em lados diametralmente opostos e irreconciliáveis.

Para o platonismo, o poder que liberta o tolo reside no próprio homem. É o homem que se liberta. É o tolo que busca forças em si mesmo para se libertar da tolice. Em contrapartida, o cristianismo reconhece a completa insuficiência e a incapacidade de o tolo se libertar. Não há no tolo recursos disponíveis e suficientemente capazes de libertá-lo para o conhecimento da verdade.

Se o platônico busca em si mesmo a libertação da tolice é porque ele acredita que a mera autorreflexão o tornará livre para conhecer a verdade. E, nesse sentido, o platonismo ainda é refém da autoabsorção do tolo. Já o cristão, ao contrário, se humilha diante de um poder superior que irrompe no coração do tolo e o livra de seu maior pecado: a autorreferência. O cristão sabe que não adianta tentar persuadir aquele que é prisioneiro de si mesmo. Por experiência própria, o cristão reconhece que somente um poder infinitamente superior poderá convencer o tolo de sua tolice.

Há quem pense que Platão, por causa da condenação de Sócrates, tenha desacreditado a maiêutica socrática2. Polêmicas à parte, o fato é que o platônico de carteirinha acredita que apenas com o uso da razão o tolo será liberto. Entretanto, parece que a libertação para o conhecimento requer mais do que o mero exercício da razão. O platônico acerta quando reconhece que é necessária a libertação do tolo, mas erra quando acredita que essa libertação reside na autonomia da capacidade racional do tolo. No final das contas, isso não passa de tolice disfarçada. Tal disfarce não convence, pois o homem sempre ultrapassa suas máscaras.

Na contramão do disfarce platônico está a inteligência humilhada do cristão. E que não se confunda “inteligência humilhada” com sacrificium intellectus! O cristão não pressupõe a morte da razão. O que ele pressupõe é a consciência de que a razão é insuficiente. Nesse sentido, podemos dizer que o cristão exige algo bem menos do que a autonomia da razão, porém bem mais do que o sacrifício do intelecto. Para o cristão, o que de fato está em jogo é a constatação de que a inteligência humana é insuficiente para conhecer a verdade. Ou seja, para chegar ao conhecimento verdadeiro, a razão depende de um poder que a transcende, que ultrapassa seus limites.

O platônico e o cristão entendem que a libertação implica a conscientização de si mesmo, isto é, o conhecimento de sua real condição. A diferença está no que ambos entendem ser a origem dessa conscientização. Para o platônico a consciência da real condição do tolo está no próprio tolo, uma vez que tal consciência é resultado da mera autorreflexão; para o cristão, por sua vez, a conscientização é fruto da ação interna do Espírito que liberta o coração do tolo para ouvir em primeiro lugar a voz de Deus. O cristão acredita que é a palavra de Deus, iluminada pelo Espírito, que conscientiza o tolo de sua tolice. Portanto, é o Espírito que liberta o tolo de si mesmo e o coloca diante de Deus. E, quando se está diante de Deus, não há pensamento algum que seja relevante o suficiente para ser dito. Eis a condição para a libertação do tolo: ouvir. E o próprio ato de ouvir já é por si só o primeiro sinal de uma “libertação interior autêntica”.

João Calvino chama essa ação do Espírito, que coloca o tolo diante de Deus, de testimonium internum Spiritus Sancti [testemunho interno do Espírito Santo] (Institutas, 1.7.4-5; 3.2.33). Calvino entende que, para o tolo ouvir a voz divina, não basta Deus falar. A razão é simples. O tolo é, por natureza, surdo para ouvir a voz de Deus e cego para enxergar a verdade revelada. Por isso, antes de ouvir, ele precisa ser curado de sua surdez; antes de ver, ele precisa ser curado de sua cegueira. Nas palavras de Calvino, “a palavra de Deus é semelhante ao sol: ilumina a todos a quem é pregada, mas não produz fruto entre os cegos. E, nessa parte, todos nós somos, por natureza, cegos. Por isso não pode penetrar em nossa mente, a não ser pelo acesso que lhe dá o Espírito, esse mestre interior, com sua iluminação” [Intitutas, 3.2.34]3.

O cristão, portanto, não nega que o conhecimento da verdade liberta o tolo, porém afirma que, antes de conhecer a verdade, o tolo precisa de uma libertação que não é fruto nem de uma reflexão sobre a verdade e muito menos de uma autorreflexão, mas sim de uma ação interna do Espírito que, com efeito, liberta o tolo para o conhecimento da verdade.

De fato, o platônico acerta quando diz que a condição primordial não é conhecer para ser liberto, mas ser liberto para conhecer. Todavia, equivoca-se quando entende que o poder que liberta é a mera reflexão. Nem mera reflexão, nem conhecimento teórico algum poderão libertar o tolo para o conhecimento da verdade. Algumas pessoas pensam que o remédio para a tolice está num seminário teológico, numa faculdade de filosofia ou num laboratório de ciências. Ledo engano. O seminário, a faculdade ou o laboratório podem ser mais sombrios que o fundo de uma caverna. Deus não fala a teólogos, filósofos e cientistas, mas a tolos perdidos em si mesmos. É uma tremenda tolice esperar dos seminários de teologia, das faculdades de filosofia ou dos laboratórios de ciências aquilo que somente o confronto com a voz de Deus pode dar. Como diz Herman Dooyeweerd,

o verdadeiro conhecimento de Deus e de nós mesmos (Deum et animam scire) ultrapassa todo o pensamento teórico. Esse conhecimento não pode ser objeto teórico, seja de uma teologia dogmática seja de uma filosofia cristã. Ele pode apenas ser adquirido pela operação da palavra de Deus e do Espírito Santo no coração, ou seja, na raiz e centro religioso de nossa existência e experiência humanas em sua inteireza4

Em contraste com o platônico, o cristão entende que o único poder capaz de libertar o tolo é a voz de Deus. Apenas a palavra de Deus pode entrar no coração do tolo e romper as cadeias que o impedem de conhecer a verdade. Não! A libertação do coração não depende das artimanhas e dos improvisos do tolo! Não há nada no tolo que seja capaz de libertá-lo. Embora a libertação aconteça no seu interior, isso não significa que o tolo seja capaz de libertar-se. O poder de que falamos é de uma grandeza inalcansável e infinitamente superior. Trata-se do poder da voz que disse “Haja luz!” e houve luz. Ou seja, trata-se do poder que criou todas as coisas a partir do nada (ex nihilo) e com o poder da palavra. Não estamos falando de um poder que criou o mundo como um demiurgo que modela a matéria a partir das formas que desde sempre existiram. Pelo contrário, falamos de um poder que criou o mundo e tudo o que nele há apenas com a força de sua voz. É admirável pensar que o poder que fala ao coração do tolo seja o mesmo poder daquele que criou o universo simplesmente falando.

Conclusão
Para o cristão, a inteligência humilhada é uma condição que não pode ser evitada. Não há prevenção contra ela. Nenhuma criatura pode evitar a humilhação inerente à sua própria condição de criatura. A inteligência humilhada não é uma possibilidade, mas sim uma realidade, a realidade da Criação. A razão humana não deveria ser louvada quando o homem se recusa a humilhar-se diante de Deus5.  Ora, não existe algo como “a classe das inteligências que se humilham” e outro como “a classe das inteligências que não se humilham”. Diante de Deus, toda inteligência criada está sob a condição da humilhação. Em contrapartida, o que de fato existe é a consciência ou não de que, diante de Deus, toda inteligência criada está sob a condição da humilhação. Observe o sábio conselho que Blaise Pascal, filósofo e matemático francês, deu para os que acreditam que o seu próprio entendimento é um recurso suficiente para o conhecimento da verdade:

Conhecei, pois, soberbo, que paradoxo sois para vós mesmos. Humilhai-vos, razão impotente! Calai-vos, natureza imbecil; aprendei que o homem ultrapassa infinitamente o homem e ouvi de vosso Mestre vossa condição verdadeira que ignorais. Escutai a voz de Deus6

Isso é o mesmo que dizer que nenhum louvor cabe ao tolo pelo conhecimento da verdade, o que é demasiadamente chocante para aqueles que são mais otimistas com relação à autonomia da razão. E não deveria deixar de ser, pois quem advoga a autonomia da razão acredita que o único poder que liberta o tolo está na própria natureza racional do ser humano. Na verdade, a atitude de buscar na natureza racional o poder para a libertação da tolice revela o quanto o tolo pode ser ainda mais tolo. E como dizia Salomão, “o tolo que faz uma tolice pela segunda vez é como um cão que volta ao seu vômito” (Pv 26.11).

__________________________
 1 Dietrich Bonhoeffer.